segunda-feira, 4 de julho de 2016

‘Povo não aguenta mais políticos corruptos’, diz procurador da Lava-Jato

A conexão entre as diversas operações anticorrupção realizadas no Brasil mostram que os políticos estão no "topo da cadeia alimentar da propina" e a corrupção está alastrada de tal forma pelo país que é preciso a formação de uma "grande rede de combate à corrupção", defendeu nesta segunda-feira o procurador Roberson Pozzobon, ao detalhar a 31ª Fase da Lava-Jato, realizada nesta segunda-feira pela Polícia Federal. Pozzobon afirmou que os acordos de delação e leniência são imprescindíveis para continuidade do combate à corrupção.



— A quem interessa o desmonte do instituto dos acordos? A quem investiga ou a quem é investigado por meio destes acordos? — indagou. Além da corrupção de agentes públicos e políticos, pela primeira vez a Lava-Jato mostrou a corrupção privada, com o pagamento de R$ 18 milhões à construtora WTorre para que ela saísse da disputa e permitisse que o cartel, reunido no consórcio Novo Cenpes, assumisse a obra do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes).

Pozzobon afirmou que as quatro últimas grandes operações contra a corrupção que ocorreram no último mês mostram a conexão com os crimes investigados na Lava-Jato e a corrupção de agentes políticos.



— Em todas as operações o destinatário final eram agentes políticos. Eles estão no topo da cadeia alimentar da propina. O povo brasileiro não aguenta mais que eles flertem, namorem e casem com a corrupção. Precisamos que a crise política e a impunidade sejam enfrentadas, com reforma política e medidas contra a corrupção — disse.

O procurador afirmou que a corrupção está alastrada de tal forma no Brasil que não há mais como enfrentar o crime organizado de maneira desorganizada. Segundo ele, os órgãos envolvidos no combate à corrupção e a sociedade precisam formar uma grande rede de combate à corrupção, com uma malha próxima e forte o suficiente para que a "grande corrupção" não possa rompê-la.


CONEXÕES ENTRE AÇÕES

Nos últimos 30 dias foram desencadeadas quatro novas operações contra a corrupção no Brasil que não foram deflagradas pela força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, onde nasceu a investigação, mas estão interligadas a elas. A Operação Turbulência, deflagrada em Pernambuco, que investiga propinas nas obras do Rio São Francisco, usou informações do doleiro Alberto Youssef, que é delator da Lava-Jato, e uma das empreiteiras investigadas é a OAS, cujos dirigentes já foram condenados por fraudes na Petrobras.



Em São Paulo, a “Operação Custo Brasil”, que levou à prisão o ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira e o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, este último já libertado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), teve as investigações iniciadas na Lava-Jato, na 18ª Fase, quando o ex-vereador do PT e operador de propina Roberto Romano foi preso. Romano se tornou delator e ajudou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal a identificarem provas.

No Rio, a “Operação Saqueador”, que investiga irregularidades da Delta Engenharia, teve como um dos operadores Adir Assad, que já foi condenado na Lava-Jato e também serviu para lavar dinheiro de propina das obras do Cenpes. As provas foram compartilhadas. Em Goiás, a operação “Tabela Periódica”, que envolve crimes relacionados a obras da Valec, ocorreu com base em provas cedidas pela Camargo Corrêa, empreiteira flagrada na Lava-Jato e que assinou acordo de leniência.



Na operação de hoje, a Polícia Federal cumpriu 35 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. A ação, batizada pela PF de "Abismo", tem como objetivo apurar fraudes em licitação, pagamentos de valores indevidos a servidores da Petrobras e o repasse de recursos a partido político em virtude do sucesso obtido por empresas privadas em contratações como o projeto de reforma do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) que fica na Ilha do Fundão, no Rio, estimado em quase R$ 850 milhões e cujo valor real pago pela estatal, após 17 aditivos, chegou a R$ 1,8 bilhão. O esquema investigado envolveu diversas empresas que pagaram mais de R$ 39 milhões em vantagens indevidas para uma empresa participante do certame, a Diretoria de Serviços e o PT.


CORRUPÇÃO PRIVADA

Pela primeira vez, a Lava-Jato flagrou propina paga a empresa privada para que prevalecesse o interesse político e de um cartel num contrato de obra pública. Segundo investigação da força-tarefa da Lava-Jato, a WTorre Engenharia ofereceu R$ 40 milhões a menos para fazer a obra do centro de pesquisas da Petrobras, na Ilha do Fundão, mas recebeu R$ 18 milhões para não negociar o preço com a estatal e ficar fora do páreo.

Segundo a força-tarefa da Lava-Jato, José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, então presidente da OAS fez pessoalmente a proposta de propina a Walter Torre Júnior, sócio da empresa, e a Francisco Geraldo Caçador, executivo da empresa. Os dois foram levados a depor coercitivamente nesta segunda-feira, na 31ª Fase da Lava-Jato. 



Depois da licitação, a Petrobras tem como praxe convocar a primeira colocada, para negociar o valor da proposta, a fim de obter um preço melhor. Os investigadores afirmam que ao não negociar com a Petrobras, WTorre abriu espaço para que o Consórcio Novo Cenpes, liderado pela OAS, renegociasse e reduzisse o preço para abaixo da proposta da empresa.

No despacho, o juiz Sérgio Moro afirma que, depois da licitação, foi marcada reunião com a WTorre para 19 de setembro de 2007, mas a empresa sequer enviou representantes. Quem foi negociar foi a OAS, que reduziu o valor de sua proposta e ficou com o contrato. A proposta inicial do consórcio era de R$ 897,9 milhões, acima dos R$ 858,3 milhões propostos pela W.Torre.



"Aceita a propina, a WTorre retirou-se do certame e o Consórcio Novo Cenpes acabou, de fato, negociando com a Petrobrás e reduziu sua proposta de preço, para R$ 849.981.400,13, e ficou com o contrato", explicou o juiz Sérgio Moro em despacho que autorizou a condução coercitiva de Torres e Caçador.

De acordo com o juiz, a propina paga à WTorre foi relatada pelos executivos da Carioca Engenharia, na colaboração premiada e no acordo de leniência firmados no âmbito da Lava-Jato. Moro diz que a ausência da WTorre na reunião do dia 19 causa estranheza e constitui indício, ainda que circunstancial, que corrobora as informações da Carioca.

O contrato com a Petrobras foi assinado por José Carlos Vilar Migo, gerente de implementação para a obra do Cenpes. Além da OAS, participaram do consórcio Carioca Engenharia; Construbase, Construcap e Schahin Engenharia. Não há informação sobre como o consórcio pagou a WTorre. Segundo os delatores, o pagamento deveria ser feito pela OAS, a líder do consórcio.


FONTE: O Globo


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